quarta-feira, 27 de março de 2024

Negativismo às políticas de imunização se reflete no retorno de doenças extintas

 Gazeta da Torre

Para especialistas, desinformação e campanhas pouco efetivas comprometem a adesão à vacinação infantil.

Doenças antes controladas, como sarampo e poliomielite, voltam a ser preocupação e novas vacinas são alvos de desconfiança. Apesar de em 2023 o Brasil registrar melhora nas coberturas vacinais em oito vacinas do calendário infantil, de acordo com o Ministério da Saúde, para especialistas, a desinformação nas mídias sociais se reflete na cultura vacinal, mantendo a imunização coletiva abaixo do ideal.

A bióloga Nathália Pereira, mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP e doutoranda no programa de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que a propagação de desinformação tem minado a confiança da população em relação às vacinas. “Hoje, na internet, a gente vê um cenário em que toda vez que desponta uma campanha de vacinação, junto a ela vem uma chuva de desinformação, de fake news.”

A bióloga Nathália Pereira

Como membro do União Pró-Vacina (UPVacina), iniciativa vinculada ao Instituto de Estudos Avançados Polo Ribeirão Preto (IEA-RP) da USP, Nathália desenvolve atividades ligadas ao combate à desinformação sobre vacinas. Segundo ela, ainda que o Programa Nacional de Imunizações (PNI) continue bom, a disseminação de informações falsas tem gerado resistência em grupos específicos da população.

A pediatra Jorgete Maria e Silva, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de  Ribeirão Preto (HC-FMRP) da USP, aponta que o relaxamento da população brasileira frente às vacinas vem de antes. “As famílias não conseguem entender que isso foi alcançado por se manter um nível bom de imunidade na população, um porcentual grande de pessoas imunes que realmente barraram a entrada dos vírus.”

A pediatra Jorgete Maria

Ela observa, inclusive, que aqueles que já não viam necessidade de se vacinar ficaram mais vulneráveis às fake news durante as campanhas iniciais de vacinação contra a covid-19, em 2021, e o problema se estende até hoje.

Desinformação e vacinação infantil

O resultado foi um aumento do discurso antivacina. Nisso, a pediatra analisa que, dentro da histeria construída na campanha de vacinação contra a covid-19, os efeitos colaterais são colocados acima dos benefícios e as pessoas “ficaram completamente descrentes e preocupadas em se vacinar, elas levavam mais em consideração o evento adverso provável do que a doença grave fatal.”

Com isso, os mais afetados pelas campanhas desinformativas acabam sendo as crianças e jovens. Além de serem “ativos dentro do ambiente digital” e facilmente expostos à fake news, de acordo com Nathália, o público infantil também pode ser condicionado por familiares negacionistas. Ela alerta para a existência de grandes comunidades de pais em redes sociais, como o Facebook, que se agrupam “para trocar informações, por exemplo, de contato de médicos que fornecem atestados falsos para burlar a vacinação dos filhos”.

Atualmente, o mesmo acontece com a vacina contra a dengue, por exemplo, sendo um alvo recente de peças desinformativas. No Brasil, constam atualmente dois imunizantes distintos, a Dengvaxia e a Qdenga, esta última distribuída pelo SUS. Nathália alega que, na internet, páginas de influenciadores negacionistas dizem que os imunizantes são organismos geneticamente modificados e capazes de alterar o DNA humano, dentre outras teorias. “Essas fake news em relação à vacina são muito recicláveis”, observa Nathália, e relembra que notícias falsas com o mesmo teor eram comuns durante a chegada da vacina contra a covid-19, em 2021.

Imunização coletiva

O receio em vacinar a si ou aos filhos afeta a imunização coletiva, que desempenha um papel fundamental na proteção da população, em especial recém-nascidos e idosos, contra doenças infecciosas graves. Segundo Jorgete, quanto maior o número de pessoas imunizadas, maior é o controle das doenças, a chamada imunidade de rebanho.

Assim, a médica destaca a importância de conscientizar a população sobre a relevância da vacinação. Porém, nos últimos anos, o próprio Conselho Federal de Medicina (CFM) vem sendo criticado por posicionamentos polêmicos, inclusive abrindo, em janeiro de 2024, um questionário para saber a opinião de médicos quanto à obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19, “para enriquecer o debate e contribuir para a tomada de decisões futuras”.

“Nós, médicos, é que temos essa responsabilidade, devemos informar o paciente de tudo que ele precisa saber, para ele voltar a confiar e a acreditar na vacina”, afirma Jorgete, e lamenta que alguns médicos “não assumem esse papel” de acolher pessoas com dúvidas quanto à vacinação e passar as informações corretas.

Cultura de vacinação se perdeu

Desde a instauração do Programa Nacional de Imunizações, em 1973, o País é referência na distribuição pública de vacinas, pela organização de calendário e promoção de campanhas de vacinação, com índices de imunização altos e estáveis entre 1998 e 2012, ano em que começa a tendência de queda, que atingiu o ponto mais baixo no triênio de 2019 a 2021, segundo dados do próprio PNI. Ainda assim, o programa conseguiu eliminar a circulação do vírus do sarampo, por exemplo, em 2016.

Mas a condição não durou muito – novos casos da doença começaram a aparecer em 2018 e a população enfrentou um novo surto no ano seguinte, com o Estado de São Paulo registrando cerca de 18 mil casos, segundo relatório do Centro de Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Estado da Saúde.

Um dos motivos, para Nathália, envolve a mudança na cultura de consumo de mídia – enquanto anteriormente o público apenas recebia as informações de grandes institutos de pesquisa e de saúde, através dos veículos de informação, hoje “tem uma comunicação em forma de rede, em que as pessoas passam desse lugar de receptor para, também, de emissor”.

Dessa forma, apesar do reinvestimento em políticas de incentivo à vacinação em 2023, como o Zé Gotinha, famoso mascote das campanhas brasileiras, o conhecimento científico disputa com a desinformação nas redes e, para a pesquisadora do União Pró-Vacina, o cenário exige que as campanhas de conscientização sejam mais dinâmicas e interativas. “Não podemos mais só atuar com campanhas de conscientização em que a gente fala e as pessoas aceitam.”

Fonte: Jornal da USP

O RESTAURANTE JOÃO DA CARNE DE SOL NA MADALENA

Gazeta da Torre

O Restaurante João da Carne de Sol na Madalena
Em todos os anos, no mês de novembro, na cidade de Picuí na Paraíba, acontece tradicionalmente o Festival da Carne de Sol, onde toda excelência e capricho da culinária picuiense se aguça, para preparar um banquete de atrações relacionados ao produto que se tornou patrimônio genuíno do município. Um marco de turismo de eventos paraibanos. Pois é de lá que o Sr. João Pedro conseguiu trazer para nosso bairro o alto padrão de qualidade desse produto, a carne de sol.

Em 2001, com ajuda de sua esposa, a nutricionista Marlene de Oliveira, Sr. João, como é conhecido, consegue inaugurar o Restaurante João da Carne de Sol, na Rua José Bonifácio, nº 385, Madalena. “Esse ponto, onde inaugurei o restaurante, eu já namorava há muito tempo, desde quando eu vinha para o Bar Imprensadinha (*foi um dos mais tradicionais botecos que funcionou na Madalena).

Foi muita coincidência, eu estacionava bem na área onde hoje é o restaurante”, lembra Seu João sorrindo.

Com muito trabalho e dedicação, em 2006, conseguiu inaugurar outro restaurante, no Cordeiro e repassado nesse ano. “Na administração do restaurante posso contar com dois companheiros fiéis, Jadson e Jean, meus filhos”, explica Seu João.

Seu João e Maurício, cliente e parceiro.
Hoje, Seu João, quando pode, repete a cena, ir até as mesas dos clientes para ouvi-los. Atitude que também ajudou muito a tornar o Restaurante João da Carne de Sol como um dos restaurantes mais conhecidos tanto em nosso bairro como em nossa cidade. “Tento tornar meus clientes em amigos”, conclui ele.

segunda-feira, 25 de março de 2024

Mulheres ganham 19,4% a menos que homens para exercer funções semelhantes, aponta governo federal

 Gazeta da Torre

Relatório coletou dados de 49,5 mil empresas e comparou ganhou de 17,7 milhões de profissionais

Mulheres ganham 19,4% a menos do que homens para exercer funções semelhantes em cerca de 49 mil empresas do país com mais de cem funcionários. Em cargos de liderança e gerentes, a diferença de remuneração chega a 25,2%.

Os dados estão registrados no primeiro Relatório Nacional de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, divulgado nesta segunda-feira (25) pelos ministérios do Trabalho e Emprego (MTE) e das Mulheres. O documento foi elaborado com base em dados enviados pelas próprias empresas. O envio das informações é uma exigência da Lei nº 14.611, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no ano passado para reforçar a obrigatoriedade de igualdade salarial entre homens e mulheres.

Para elaborar o relatório, foram analisados dados e salários de 17,7 milhões de empregados. O documento aponta também diferenças ligadas à raça.

Mulheres negras são as que têm renda mais desigual. Enquanto a remuneração média da mulher negra é de R$ 3.040,89, a dos homens não-negros é de R$ 5.718,40. Uma mulher negra ganha, em média, 66,7% da remuneração das mulheres não negras.

O relatório mostra também que 51,6% das empresas possuem planos de cargos e salários. Esses planos, contudo, também tendem a privilegiar homens. Isso porque dão peso ao cumprimento de horas extras, disponibilidade para o trabalho, metas de produção, entre outros critérios. Eles são atingidos mais pelos homens do que pelas mulheres que, em geral, têm interrupção no tempo de trabalho devido à licença-maternidade e à dedicação com cuidados com dependentes.

Segundo o documento, apenas 32,6% das empresas têm políticas de incentivo à contratação de mulheres; 38,3% declararam que adotam políticas para promoção de mulheres a cargos de chefia; 17,7% concedem licença maternidade ou paternidade estendida; e 31,4% pagam auxílio-creche.

Os estados de Sergipe e Piauí apresentaram as menores diferenças salariais entre homens e mulheres, com elas recebendo 7,1% e 6,3% menos do que os homens, respectivamente. Porém, ambos os estados possuem remuneração média menor: R$ 2.975,77 em Sergipe e R$ 2.845,85 no Piauí.

Divulgação ameaçada

Dias antes da divulgação do relatório, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Comércio e Serviços (CNC) pediram três vezes ao Supremo Tribunal Federal (STF) que ele não fosse publicado. Os pedidos foram feitos no âmbito de uma ação movida pelas entidades patronais em 12 de março, quatro dias após o Dia Internacional de Luta das Mulheres, para questionar pontos da Lei de Igualdade Salarial, do decreto e da portaria que regulamentaram a aplicação da lei.

Para as entidades, os textos contêm trechos que seriam inconstitucionais e a divulgação dos relatórios, neste momento, poderia causar "graves danos reputacionais às empresas", além de danos a "garantias fundamentais das empresas e seus funcionários".

A produção e divulgação dos relatórios são considerados o pontapé inicial necessário para a política de igualdade salarial ser efetiva, uma vez que somente com os dados atualizados o governo e o setor privado poderão enfrentar, de fato, o problema.

Fonte: Brasil de Fato

sexta-feira, 22 de março de 2024

As brasileiras que são vítimas de 'stalking': 'Tenho medo de sair de casa e não voltar'

 Gazeta da Torre

Quando a atriz Fernanda Antoniassi aceitou em 2020 uma solicitação de amizade de um perfil falso com a foto do ator britânico Henry Cavill, que deu vida ao Super-homem no cinema, ela não imaginava que começaria a ser perseguida por um desconhecido.

Fernanda conta que, logo depois, a pessoa por trás do perfil falso passou a interagir com a atriz.

“Sabia que era golpe, mas resolvi dar trela para juntar provas e fazer uma denúncia seguindo o conselho de uma amiga advogada.”

Passados sete dias, Fernanda resolveu bloquear o perfil em suas redes sociais.

“Foi quando ele passou a criar outros perfis e a me mandar solicitação sem parar. Para piorar, em alguns, ele até tentava fazer chamada de vídeo”.

Fernanda estava sendo vítima de stalking, termo em inglês que designa o crime de perseguição no qual alguém invade repetidamente a vida privada da vítima presencialmente ou na internet.

“Vivi essa situação durante semanas. Ele parava e, depois, voltava. Até que um dia, resolvi atender uma das ligações”.

Foi quando, pela primeira vez, Fernanda conseguiu ver seu perseguidor: um homem que ela diz nunca ter visto antes.

“Perguntei o que ele queria e disse que já tinha procurado a polícia", conta ela.

"Foi quando ele me exigiu dinheiro para não matar minha mãe, porque ele dizia saber onde morava, mesmo sem eu nunca ter lhe falado.”

Ao desligar a chamada, a atriz levou as gravações para a polícia. Mas ninguém foi formalmente acusado do crime até agora.

“Nesse meio tempo, minha casa passou a ser rondada por carros, meu imóvel foi assaltado e já gravei dois drones a noite rondando a casa onde vivo com meus pais”, diz Fernanda.

A atriz que teve que passar a fazer tratamento para ansiedade após o caso: “Tenho medo dele estar mais próximo do que imagino”.

Fernanda diz que a última tentativa de contato do perseguidor aconteceu no final de 2023.

“Depois que publiquei um relato nas redes sociais, alertando outras mulheres, ele meio que parou, mas ainda sinto receio”, afirma a atriz.

"Hoje, tenho medo de sair de casa e não voltar, pois não sei quando estou ou não sendo perseguida.”

155 casos por dia

Histórias como a de Fernanda são mais comuns do que se imagina.

Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) apontam para uma média de cerca de 155 casos de stalking registrados por dia nas delegacias brasileiras.

Para se ter uma ideia, apenas em 2022, 56.560 casos do tipo foram registrados no país.

São Paulo (17.019), no Rio Grande do Sul (5.424) e no Paraná (4.801) são os que concentram a maior parte dos registros policiais de stalking no Brasil.

Em geral, a maioria dos casos registrados envolvem vítimas mulheres, entre 16 e 24 anos, e homens como perseguidores.

"Mas também existem registros de mulheres que perseguem homens”, diz Juliana Brandão, pesquisadora sênior do FBSP.

No mundo, o termo stalking começou a ser usado no final da década de 1980 para descrever a perseguição insistente a celebridades pelos seus fãs.

No entanto, foi apenas em 1990, na Califórnia, Estados Unidos, que a conduta passou a ser criminalizada pela primeira vez.

Atualmente, países como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Austrália já possuem legislações específicas para lidar com o stalking.

A lei que criminaliza o stalking no Brasil é de 2021 e prevê prisão de seis meses a dois anos e multa para esse tipo de conduta.

A pena pode ser aumentada quando a vítima é criança, adolescente, idoso ou mulher.

O crime é definido como perseguição reiterada por qualquer meio, como a internet, que ameaça a integridade física e psicológica de alguém, interferindo na liberdade e na privacidade da vítima.

Brandão explica que, por ser um crime novo na legislação brasileira, muitos casos ainda não são registrados, porque muitas vítimas não sabem que esse tipo de atitude é um crime.

“Na maioria dos casos, o stalking acontece com o fim de um relacionamento, porém temos notado um crescimento de casos de desconhecidos que passam a perseguir mulheres pelas redes sociais, principalmente, quando estas se recusam a ter contato”, diz Brandão.

“Nesse caso, falamos de cyberstalking, cuja perseguição acontece no ambiente virtual e acaba até tendo mais impactos na vida da vítima do que atos presenciais.”

Solano de Camargo, presidente da Comissão de Privacidade, Proteção de Dados e Inteligência Artificial da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo, explica que o stalking se diferencia dos demais crimes contra a mulher pelo seu foco na perseguição persistente e indesejada.

"Enquanto outros crimes, como a violência doméstica ou o assédio sexual, podem envolver atos isolados ou específicos de violência ou coerção, o stalking caracteriza-se pela repetição e pela persistência do comportamento persecutório”, diz Camargo.

Pesquisadores ouvidos pela BBC News Brasil classificam o stalking em três níveis:

Leve: inclui comportamentos como seguir a vítima nas redes sociais, enviar mensagens não solicitadas ou e-mails, e outras formas de comunicação indesejada. Embora possa ser perturbador, esse nível de stalking pode não representar uma ameaça física imediata.

Moderado: pode envolver ações mais intrusivas, como seguir a vítima em público, aparecer repetidamente em lugares frequentados por ela, realizar ligações telefônicas frequentes ou enviar presentes não solicitados. Esse nível de stalking começa a ter um impacto mais significativo na sensação de segurança da vítima.

Grave: caracteriza-se por comportamentos que representam uma ameaça direta à segurança da vítima, como perseguição física, invasão de propriedade, vandalismo, ameaças explicitas ou até mesmo violência física ou moral. Esse nível de stalking requer atenção imediata das autoridades e medidas de proteção para a vítima.

Camargo ressalta que o stalking é um crime progressivo, o que significa que pode escalar de um nível mais leve para um mais grave ao longo do tempo.

"Por isso, é absolutamente imprescindível que as vítimas de stalking busquem ajuda logo nos primeiros sinais de perseguição, para prevenir a escalada do comportamento abusivo do criminoso”, alerta.

'Tremia de medo'

A radialista sul-matogrossense Verlinda Robles começou a ser vítima de stalking em 2017.

Tudo começou com uma ligação na rádio. Na época, ela apresentava um programa, e um ouvinte da cidade de Costa Rica, no interior do Mato Grosso do Sul, passou a ligar todos dias oferecendo uma música para Verlinda.

“Sempre fui simpática com todos os ouvintes, mas fui percebendo que aquilo não era normal", diz ela.

"Agradecia o carinho pelo meu trabalho, mas dizia que aquilo já estava fugindo do normal e pedia para ele parar de ligar.”

Mas o pedido não surtiu efeito. O homem voltou a ligar para a rádio e a pedir para falar com a radialista. Verlinda voltou a pedir que ele parasse, mas ela diz que seu perseguidor "não queria entender”.

Ela conta que a situação fugiu do controle quando o perseguidor que conseguiu seu número de telefone particular.

“Era impressionante, não tinha hora. Ele me ligava no trabalho, a tarde e até de madrugada", diz.

"Chegou em um ponto em que eu não atendia mais telefonemas, porque sempre era ele. Eu bloqueava um número, ele me ligava de outro.”

Foi quando o perseguidor passou a fazer contato com Verlinda de outras formas e a ligar nos telefones de seus amigos.

O homem passou a comprar presentes que deixava na rádio, mas ela conta que recusava todos e pedia para devolver.

"Mas ele continuava. Eu me sentia ofendida, porque já não bastasse a perseguição ele achava que podia me comprar. Lembro que, quando via ele, eu tremia de medo.”

Em meio à perseguição, Verlinda resolveu se mudar em busca de novas oportunidades de trabalho.

Do norte do Mato Grosso do Sul, a radialista foi morar no sul do Estado, onde acreditava estar livre do seu perseguidor.

Passado alguns dias, um colega da rádio onde ela estava trabalhando falou para ela que tinha um homem que estava ligando todo dia me mandando um abraço.

Era o perseguidor de Verlinda.

Na mesma semana, ela entrou no site da operadora de telefonia para pegar um boleto para pagar sua conta. Foi quando Verlinda viu que já estava paga.

"Na hora, achei estranho, pois sabia que não tinha feito o pagamento. Quando fui averiguar com a operadora, descobri que o endereço de entrega da conta tinha sido trocado e quem tinha pago era quem estava me perseguindo.”

A radialista resolveu então denunciar o caso em suas redes sociais. A publicação feita em 2019 viralizou.

"Não sei até hoje como ele conseguiu alterar meu endereço de pagamento. Para eu voltar para o meu endereço, foi uma odisseia.”

A radialista também fez um boletim de ocorrência contra o homem e se tornou uma das primeiras vítimas de stalking no Brasil a conseguir uma medida protetiva contra um perseguidor.

Verlinda diz que muita gente até hoje pergunta porque ela não o denunciou antes.

"Sentia tanta vergonha de chegar na delegacia e os policiais acharem que estava querendo aparecer que fui querendo fugir dele, sem procurar ajuda.”

Com a medida protetiva, a perseguição cessou, conta Verlinda. Ela soube que, alguns meses depois, seu perseguidor morreu por problemas de saúde, mas os traumas ficaram.

“Confesso que até hoje olho embaixo da cama ao chegar em casa por medo de ter alguém me perseguindo", diz.

"Não alugo casa sem ter grades na janela; e até para me relacionar com as pessoas tenho dificuldade. É uma sombra que, infelizmente, levo na minha vida.”

Como reagir e denunciar

Daniel Barros, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas (HC) da Universidade de São Paulo (USP), explica que, quando a vítima de stalking é uma pessoa famosa, o perseguidor tem na maioria das vezes um transtorno mental.

“O stalking com anônimos, na maior parte dos casos, não tem a ver com transtorno mental, tem a ver com gênero, do sujeito simplesmente não aceitar o fim do relacionamento ou ser rejeitado por alguém”, explica o psiquiatra.

Um estudo publicado em 2009, no periódico Law and Human Behavior, que fez um perfil de 200 pessoas condenadas por stalking constatou que, em média, apenas 25% dos casos de perseguição duram mais de um ano.

Segundo a pesquisa, o fator que leva à perseguição duradoura é o vínculo que a vítima tinha com o autor.

Assim, no caso de ex-maridos ou ex-namorados perseguidores, o stalking tende a durar mais. “O mais importante é não falar com o perseguidor", afirma Barros.

"Não troque mensagem, não fale, não tenha nenhum contato, e leve a sério a situação, pois falar com ele tende a aumentar esse comportamento, porque o perseguidor entende que conseguiu o que queria: sua atenção.”

Jamila Ferrari, delegada coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher (DDM) do Estado de São Paulo diz que o principal sinal de que uma pessoa é vítima de stalking é se sentir ameaçada pelas constantes investidas do perseguidor.

“O enfrentamento sem dúvida é feito com informação. Informar constantemente às pessoas de que existe esse crime e punição para quem comete é uma das medidas mais importantes de prevenção”, diz a delegada.

Atualmente, a vítima de stalking no Brasil pode procurar ajuda em qualquer delegacia de polícia.

Contudo, especialistas dizem ser aconselhável que, em casos mais graves, a pessoa perseguida busque apoio também de advogados, serviços de assistência psicológica e grupos de apoio.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil recomendam algumas medidas que podem ajudar a diminuir as chances de ser vítima de stalking:

- Manter as informações pessoais privadas;

- Ajustar as configurações de privacidade nas redes sociais;

- Evitar compartilhar detalhes sobre rotina e localização;

- Estar atento a comportamentos suspeitos ou pessoas que pareçam estar seguindo ou monitorando de forma persistente.

“Nessas situações, mediante provas e identificação do autor, a vítima pode obter na Justiça uma ordem de restrição contra o perseguidor, obrigando-o a manter distância da vítima, sob pena de ser preso em flagrante em caso de violação da ordem”, ressalta Solano.

* Solano de Camargo - Pós-doutorando em Direito Internacional pela Faculdade de Direito de Coimbra (UC). Doutor e Mestre em Direito da Universidade de São Paulo (USP).

BBC Brasil

segunda-feira, 18 de março de 2024

Sustentabilidade e o futuro da hotelaria

 Gazeta da Torre

Lúcia Silveira Santos explica como a indústria hoteleira está adotando práticas mais sustentáveis e como os hóspedes podem fazer escolhas conscientes ao reservar um hotel

Sustentabilidade refere-se à habilidade de utilizar os recursos naturais sem prejudicar o bem-estar das futuras gerações. O conceito de consumo consciente está se tornando cada vez mais difundido entre os brasileiros, e, independentemente do setor industrial, pequenas atitudes podem gerar um impacto significativo. Esta perspectiva é igualmente relevante no contexto do setor hoteleiro.

A sustentabilidade na indústria hoteleira implica a implementação de medidas que visam a reduzir o impacto ambiental, social e econômico dos hotéis. Isso abarca desde a diminuição do consumo de recursos naturais até o apoio às comunidades locais e o respeito pela cultura e pelo patrimônio da região onde o estabelecimento está inserido.

De acordo com Lúcia Silveira Santos, doutoranda em Turismo pela Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, para que um hotel seja reconhecido como sustentável, ele precisa focar em quatro pontos: eficiência energética, gestão de resíduos, conservação da água e apoio à comunidade local.

Quatro pontos da sustentabilidade

Para mitigar o consumo de energia, é possível implementar sistemas de iluminação e climatização mais eficientes. Além disso, a incorporação de fontes de energia alternativas, como placas solares, pode reduzir a dependência de energia convencional. Uma solução eficaz e simples é a adoção de cartões inteligentes, que automaticamente desligam a luz, o ar-condicionado e a televisão quando o hóspede deixa o quarto.

Visando a uma abordagem sustentável na gestão de resíduos, os hotéis podem adotar práticas como reciclagem e compostagem de resíduos sólidos, além de reduzir o desperdício de alimentos nos restaurantes. Para isso, é viável estabelecer parcerias com cooperativas de catadores e, sempre que possível, envolver os hóspedes nessas iniciativas. Uma ideia interessante seria criar uma pequena horta de temperos, utilizando os produtos da compostagem, e permitir que os hóspedes participem do processo, desde o cultivo até a colheita, como forma de incentivar seu envolvimento.

Com o objetivo de promover a conservação da água, os hotéis podem adotar medidas como a instalação de dispositivos economizadores nos quartos e áreas comuns, além de implementar sistemas de captação de água da chuva para uso não potável. Embora já seja comum encontrar chuveiros e torneiras com sensores para evitar o desperdício, soluções criativas podem ser ainda mais eficazes. Por exemplo, uma música com duração máxima de 5 minutos durante o banho pode alertar o hóspede sobre o consumo excessivo de água, ou a presença de um simples relógio no banheiro, mostrando a quantidade de litros utilizada durante o banho, também pode ser uma maneira eficaz de conscientização.

Parcerias com fornecedores locais evitam grandes deslocamentos e ainda beneficiam a comunidade do entorno, gerando uma vizinhança mais amigável, fomentando empregos e ampliando também a responsabilidade social da empresa-hotel.

Buscando o melhor

A pesquisadora aponta certificados ecológicos que podem ajudar futuros hóspedes na seleção de hotéis sustentáveis, como LEED, GreenGlobe ou Travelife. Certas empresas chegam a calcular a quantidade de gases do efeito estufa que são lançados na atmosfera a partir do consumo energético do hotel e calculam a quantidade de árvores que precisam ser plantadas para compensar essa emissão. Esses são os hotéis neutros em carbono ou carbono zero, cujas árvores costumam ser plantadas em locais degradados ambientalmente. Os dois primeiros hotéis do Brasil com esse tipo de certificado ficam em Santos, litoral de São Paulo e pertencem ao grupo Accor.

Jornal da USP

quinta-feira, 14 de março de 2024

Eu quero meu Sertão de Volta

 Gazeta da Torre

Nos últimos dez anos tenho viajado freqüentemente pelo sertão de Pernambuco, e assistido, não sem revolta, a um processo cruel de desconstrução da cultura sertaneja com a conivência da maioria das prefeituras e rádios do interior. Em todos os espaços de convivência, praças bares e na quase maioria dos shows, o que se escuta é música de péssima qualidade que, não raro desqualifica e coisifica a mulher e embrutece o homem.

O que adianta as campanhas bem intencionadas do governo federal contra o alcoolismo e a prostituição infantil, quando a população canta “beber cair e levantar”, ou ‘dinheiro na mão e calcinha no chão”?

O que adianta o governo estadual criar novas delegacias da mulher se elas próprias também cantam e rebolam ao som de letras que incitam a violência sexual? O que dizer de homens que se divertem cantando “vou soltar uma bomba no cabaré e vai ser pedaço de p*** pra todo lado”? Será que são esses trogloditas que chegam em casa, depois de beber, cair e levantar, e surram suas mulheres e abusam de suas filhas e enteadas?

Por onde andam as mulheres que fizeram movimento feminista, tão atuante nos anos 70 e 80, que não reagem contra essa onda musical grosseira e violenta? Se fazem alguma coisa, tem sido de forma muito discreta, pois leio os três jornais de maior circulação no estado todos os dias, e nada encontro que questione tamanha barbárie. E boa parte dos meios de comunicação são coniventes, pois existe muito dinheiro e interesses envolvidos na disseminação dessas músicas de baixa qualidade.

E não pense que essa avalanche de mediocridade atinge apenas os menos favorecidos da base de nossa pirâmide social, e com menor grau de instrução escolar. Cansei de ver (e ouvir) jovens que estacionam onde bem entendem, escancaram a mala de seus carros exibindo, como pavões emplumados, seus moderníssimos equipamentos de som e vídeo na execução exageradamente alta dos cds e dvds dessas bandas que se dizem forró eletrônico. O que fazem os promotores de justiça, juízes, delegados que não coíbem, dentro de suas áreas de atuação, esses abusos?

Quando Luiz Gonzaga e seus grandes parceiros, Humberto Teixeira e Zé Dantas, criaram o forró, não imaginavam que depois de suas mortes essas bandas que hoje se multiplicam pelo Brasil praticassem um estelionato poético ao usarem o nome forró para a música que fazem.

O que esses conjuntos musicais praticam não é forró! O forró é inspirado na matriz poética do sertanejo; eles se inspiram numa matriz sexual chula! O forró é uma dança alegre e sensual; eles exibem uma coreografia explicitamente sexual! O forró é gênero musical que agrega vários ritmos como o xote, o baião, o xaxado; eles criaram uma única pancada musical que, em absoluto, não corresponde aos ritmos do forró! E se apresenta como bandas de “forró eletrônico”! Na verdade, Elba Ramalho e o próprio Gonzaga já faziam o verdadeiro forró eletrônico, de qualidade, nos anos 80.

Em contrapartida, o movimento do forró pé-de-serra deixa a desejar na produção de um forró de qualidade. Na maioria das vezes as letras são pouco criativas; tornaram-se reféns de uma mesma temática. Os arranjos executados são parecidos! Pouco se pesquisa no valioso e grande arquivo gonzaguiano. A qualidade técnica e visual da maioria dos cds também deixa a desejar, e falta uma produção mais cuidadosa para as apresentações em geral.

Da dança da garrafa de Carla Perez até os dias de hoje formou-se uma geração que se acostumou com o lixo musical! Não, meus amigos: não é conservadorismo sem saudosismo! Mas não é possível o novo sem os alicerces do velho! Que o digam Chico Science e o Cordel do Fogo Encantado que, inspirados nas nossas matrizes musicais, criaram um novo som para o mundo. Não é possível qualidade de vida plena com mediocridade cultural, intolerância, incitamento à violência sexual e ao alcoolismo!

Mas, felizmente, há exemplos que podem ser seguidos. A Prefeitura do Recife tem conseguido realizar um São João e outras festas de nosso calendário cultural com uma boa curadoria musical e retorno excelente de público. A Fundarpe tem demonstrado a mesma boa vontade ao priorizar os projetos de qualidade e relevância cultural.

Escrevendo essas linhas, recordo minha infância em Serra Talhada, ouvindo o maestro Moacir Santos e meu querido tio Edésio em seus encontros musicais, cada um com o seu sax, em verdadeiros diálogos poéticos! Hoje são estrelas no céu do Pajeú das Flores! Eu quero o meu sertão de volta!

Anselmo Alves, Pesquisador, documentarista e colaborador da Gazeta da Torre                  Pernambucano de Serra Talhada.

quarta-feira, 13 de março de 2024

SUPERA realiza live gratuita com especialistas; Participe!

 

Com o tema: “O futuro do seu cérebro – O que diz a neurociência”, iniciativa quer mobilizar a sociedade sobre o assunto.

Em comemoração à Semana Mundial do Cérebro, o SUPERA realiza, no dia 14 de março, às 19h (horário de Brasília), a live “O futuro do seu cérebro – O que diz a neurociência”, um evento online com informação de qualidade, com a neurocientista parceira da marca, Livia Ciacci e a neurologista Ilana Werneck, franqueada SUPERA de Pouso Alegre (MG).

A live acontecerá no canal oficial do SUPERA no YouTube e a participação é gratuita mediante inscrição.

(inscreva-se)  

metodosupera.com.br/semana-mundial-do-cerebro-supera-realiza-live-gratuita-com-especialistas/).

Neste evento, os participantes poderão acompanhar as últimas pesquisas realizadas sobre o cérebro, como a neurociência tem contribuído para avanços na medicina, quais são os principais mistérios do cérebro que estão sendo desvendados pela ciência e outros assuntos.

Sobre a Semana Mundial do Cérebro

A Semana Mundial do Cérebro 2024 acontece de 11 a 17 de março, no Brasil, liderada pelo SUPERA, maior rede de estimulação cognitiva do país. A iniciativa acontece em concordância com a Dana Foundation, organização sem fins lucrativos dedicada a avançar a compreensão sobre o cérebro humano e apoiar pesquisas em neurociência.

No Brasil, o SUPERA encabeça o discurso para conscientizar a população sobre a saúde do cérebro, qualidade de vida e os cuidados a longo prazo com o órgão mais importante do corpo humano.

Por isso, durante todo o mês de março, as mais de 260 unidades da marca espalhadas por todo o Brasil, estarão especialmente de portas abertas para tirar dúvidas da população acerca da saúde do cérebro.

Sobre a Dana Foundation

Fundada em 1950 por Charles A. Dana, a Dana Foudation tem como objetivo promover o progresso nas ciências cerebrais, educar o público sobre o cérebro e suas funções, e incentivar o desenvolvimento de tratamentos para distúrbios cerebrais.

Live – O futuro do seu cérebro – O que diz a neurociência

Quando: 14 de março

Onde: Canal do SUPERA no YouTube – https://youtube.com/metodosupera

Inscrições:  

https://bit.ly/semana-mundial-do-cérebro-2024

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Para reflexão:

Algo só é impossível até que alguém duvide e resolva provar o contrário. “Albert Einstein”

Você sabia:

O cérebro humano tem a mesma consistência macia de uma barra de manteiga.

Resposta do desafio de Fevereiro.

Há um saco cheio de grãos de café. Como você pode preencher completamente dois  sacos do mesmo tamanho com os grãos de café moído do primeiro saco?

Resposta: Colocando um saco dentro do outro

Desafio de Março:

Pense rápido...

Qual o masculino de lebre?

a)Coelho      b) lebréu      c) lebrão      d) lebre.

Resposta na próxima edição

Serviço:

Método Supera - Ginástica para o Cérebro

Responsável Técnica: Idalina Assunção (Psicóloga, CRP 02-4270)

Unidade Madalena

Rua Real da Torre, 1036. Madalena, Recife.

Telefone: (81) 30487906

Unidade Boa Viagem

Telefone: (81) 30331695

Chico Science - O homem que veio do futuro

 Gazeta da Torre

No Recife do fim dos anos 1980, um grupo de jovens passava as tardes ouvindo músicas que não tinham espaço nas rádios pernambucanas, dominadas pelo axé baiano e pelo rock do Sudeste. Vinis recém-lançados em outros países e fitas cassetes raras eram bens preciosos nas mãos de quem ansiava pela troca de informação, escassa na época. Naquele grupo que começava a enfrentar a vida adulta, a união se dava pela apreciação de bandas new wave, pós-punk, hip-hop e funk; discussões sobre literatura e, principalmente, pela junção de mentes inquietas em efervescência.

Do lado de fora, a cidade era um caos. Os índices de qualidade de vida, desemprego e violência não eram favoráveis, e o Estado de Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto passava por um marasmo cultural, social e econômico. Nesse contexto, Recife viu nascer o manguebeat, movimento de contracultura que, por meio da mistura de ritmos, mostrava as desigualdades da região. Naquela altura, Pernambuco virava berço de uma figura que rompeu barreiras geográficas e apontou, em sua música, as injustiças sociais testemunhadas por todos. Era Chico Science.

Vinte anos após sua morte precoce, a memória de Francisco França continua presente. Apontado como o catalisador do manguebeat, Chico se tornou figura de associação imediata à cena. Hoje, no Recife, além de um memorial e uma estátua em sua homenagem, até um manguezal leva seu nome. “Ele foi um criador, um mestre, um artesão dos sons. Foi como Caetano e Gil na Tropicália, como João Gilberto na Bossa Nova, ou Erasmo e Roberto na Jovem Guarda. Aquele criador timoneiro que, sem estrelismo e com respeito às tradições, dirigiu o barco do manguebeat”, afirma Herom Vargas, autor de Hibridismos musicais de Chico Science & Nação Zumbi (Ateliê, 2007).

“Ele tinha essa capacidade de falar com o povo. Foi um grande líder, mesmo que não tivesse a intenção de ser”, afirma José Carlos Arcoverde, conhecido como Mabuse, o “ministro da tecnologia” do manguebeat. Era ele quem fazia alguns dos cartazes dos shows e das festas do movimento. “Ele tinha desenvoltura para colocar um autor como Josué de Castro como parte de um referencial simbólico para os moleques que estavam ouvindo as músicas. Depois de Chico, nunca vi mais nada igual”, diz o amigo.

Assim como o barco de Caetano e Gil levou Rita Lee e Tom Zé, a Bossa Nova de João Gilberto cresceu no apartamento de Nara Leão, e Wanderléa foi marca da Jovem Guarda com Roberto e Erasmo, Chico não estava sozinho. O manguebeat era encabeçado por todos aqueles jovens que ajudaram a criar uma revolução cultural. Mas, até alcançá-la, percorreram um longo caminho.

Manguetown

Caçula de quatro filhos, Science começou sua história com a música por meio do amor pela black music norte-americana e figuras como James Brown e Grandmaster Flash. Na escola, frequentou as poucas e únicas aulas de teoria musical que faria. Todas as suas composições se dariam com onomatopeias anotadas e repetidas para os músicos das bandas pelas quais passou. “Ele tinha uma inteligência pop muito aguçada e intuitiva, apesar de não ter a formalidade educacional. Pegava a orelha de um livro e captava aquilo que batia com o desejo das pessoas”, conta Hélder Aragão, o DJ Dolores, que Chico conheceu no período em que frequentava o grupo de break “Legião Hip Hop” com Jorge Dü Peixe, atual vocalista do Nação Zumbi.

Dolores, responsável pela identidade visual do manguebeat, havia chegado recentemente de Sergipe e seu apartamento logo se tornou o ponto de encontro dos estudantes, que ainda moravam com os pais. “Eu brinco que eu sou a Nara Leão do manguebeat. Tudo começou no meu apartamento, foi a música que uniu todo mundo.”

Eventualmente, todas as cabeças necessárias para iniciar um movimento estavam ali. Dü Peixe, amigo de infância e parceiro musical de Science; Fred 04, estudante de comunicação e criador da Mundo Livre S/A; Mabuse e Renato L., companheiros de Fred no programa “Décadas” na rádio universitária; Lúcio Maia e Alexandre Dengue, músicos da Orla Orbe e Loustal, bandas de Chico no fim da década de 1980. O grupo só crescia.

Com o que sobrava dos salários, era hora de colocar em prática o lema de “mudar o lugar ou mudar de lugar”, produzindo festas em uma cidade que só abria os bares para a música regional e heavy metal. A solução foi fazer parcerias com os cabarés e se aproveitar do ar boêmio da antiga zona portuária, que, no início da década de 1990, ainda era considerada decadente.

A proposta musical era quase que educativa. “Ninguém era DJ profissional, era uma programação que tocava de Sam Cooke a Talking Heads. A única coisa em comum na variação dos sons era o fato de eles não tocarem em outros lugares. Não tínhamos a obrigação de uma pista lotada. Era algo meio missionário”, brinca Fred Rodrigues Montenegro, o Fred 04.

Como resultado das festas, o grupo começou a formar um público que se identificava com o novo conceito. “De repente nos vimos fazendo parte da cidade, descobrimos a nossa voz. Ver que o que estávamos fazendo tinha efeito nos dava um certo senso de cidadania”, lembra Dolores, que começou sua carreira como DJ naqueles eventos.

Simultaneamente, Chico era apresentado pelo colega de trabalho Gilmar Bola 8 ao Lamento Negro, grupo social da comunidade de Peixinhos, em Olinda. A mistura de maracatu, coco de roda e samba-reggae chamou sua atenção. Nos ensaios, conheceu o percussionista Maureliano, que segundo o músico Pácua, amigo de Chico e cantor do Lamento Negro à época, foi quem executou as batidas que viriam a se tornar marca do Nação Zumbi. “Ele disse o que queria e Maureliano fez na hora. Chico foi a cabeça, e o Mau, a execução. Chico foi o cara que teve a sensibilidade de ver aquele som no gueto e reconhecer o potencial para espalhar pelo mundo.”

Com a batida na cabeça e percussionistas do Lamento Negro na banda, a Loustal de Lúcio Maia e Dü Peixe se tornava Chico Science & Lamento Negro e, posteriormente, Chico Science & Nação Zumbi. Fizeram sua estreia em 1991, em Olinda, com um som que era uma mistura de todas as referências do grupo: o rock, a black music e os ritmos regionais.

O conceito de som do mangue veio em seguida, em uma mesa de bar, com um empolgado Science planejando um evento coletivo que levasse as batidas para o resto do país. Pácua brinca que às vezes achava que Chico vinha do futuro. “Ele falava como se soubesse que ia dar certo, parecia um filósofo com aquele papo de mangue. No Brasil, os caras com visão são considerados loucos, quando na verdade são gênios”.

Choque na lama

A metáfora do mangue como um ecossistema produtivo e diverso que sobrevivia em uma cidade sem energia foi trabalhada coletivamente. Como jornalista, Fred decidiu reunir todas as ideias em um release, a fim de divulgar o festival de música idealizado por Chico, o “Viagem ao centro do mangue”.

Assim que foi recebido pela imprensa, em 1992, o “Caranguejos com cérebro” ganhou ares de manifesto e acabou se tornando um registro definitivo e incansavelmente reproduzido do nascimento de uma nova cena musical no Recife e no Brasil. “Eu quis passar o que a gente via: pessoas brilhantes indo embora depois de formadas e ninguém ficando no Recife para pensar em um projeto para a cidade”, afirma o líder da Mundo Livre S/A, uma das mais importantes bandas daquela cena.

Mabuse ainda se impressiona com a falta de intencionalidade na criação do manguebeat. “O papel do acaso nessa história é fantástico, porque o grande objetivo não era criar um movimento. A única intenção era a de conseguir viver de produção musical. Mas a metáfora usada foi muito feliz, fez todo o sentido”, diz o amigo de Chico.

Com ou sem intenção, o manifesto incitou uma onda que atingiu até outros segmentos. “Percebemos que, além da nossa pequena turma, outras pessoas na cidade, até da moda e do cinema, compartilhavam aquele desejo. O rótulo acabou tomando conta de qualquer coisa que se produzisse no Recife. Bandas de hardcore eram manguebeat, assim como bandas de hip-hop e forró”, lembra Dolores.

Ao mesmo tempo, a carreira de Science com o Nação Zumbi deslanchou. Em 1994, o grupo lançou Da lama ao caos, seu primeiro álbum, pela Sony Music. Gravado no Rio de Janeiro e produzido por Liminha, o disco não teve o espaço esperado nas rádios brasileiras. A banda, no entanto, saiu em uma turnê internacional que passou pelos Estados Unidos e Europa. Os shows no exterior se repetiram após o lançamento de Afrociberdelia, em 1996. Produzido por Eduardo BiD, teve melhor desempenho que o primeiro e participação de convidados como Gilberto Gil e Marcelo D2. Posteriormente, os dois álbuns foram incluídos na lista dos 100 melhores discos da música brasileira da revista Rolling Stone, em uma votação feita com jornalistas, produtores e estudiosos.

O manguebeat se espalhava pelo mundo ao mesmo tempo que mudava radicalmente a cultura pernambucana, tornando-a mais democrática. “A música passou a ser uma plataforma de crítica à cidade, mas também de valorização do universo do trabalhador, da cultura negra, periférica. A cultura pernambucana sempre foi conservadora e elitista. O mangue rompe com esse padrão”, afirma a socióloga e estudiosa do movimento Carolina Leão.

Para a também socióloga Paula Tesser, Science teve função primordial nesse sentido. “Ele propôs, através do riso, a invenção do brasileiro que, mesmo estando abandonado à sua sorte, deve reagir, transformando sua tristeza em diversão musical”, diz.

Longa vida ao groove

Em um período de férias no auge da banda, em fevereiro de 1997, o carro de Chico Science se chocou contra um poste no trecho entre Recife e Olinda, e o músico não resistiu. Com o impacto da perda, Fred 04 e Renato L. escreveram um novo manifesto intitulado “Quanto vale uma vida”, que relembra a intensa produção cultural dos cinco anos anteriores, a importância do cantor e a necessidade de o Nação Zumbi continuar existindo, uma ideia unânime entre os membros do movimento. O grupo segue ativo até hoje, com Jorge Dü Peixe no vocal.

Para os mangueboys, Chico foi essencial na consolidação do manguebeat e, com sua energia, era a representação perfeita daqueles ideais. “Tantas coisas mudaram no planeta e parece que ele já sabia de tudo”, lembra o músico Otto, que foi percussionista da primeira formação do Nação Zumbi e do Mundo Livre S/A. “Chico está nos cordões dos mestres da sabedoria popular, é composto dos sonhos pernambucanos, dos versos proféticos e das rimas do MC. O Brasil conheceu uma lenda do rock, do rap e do maracatu. Tem gente que faz tanta coisa em tão pouco tempo na terra”, diz.

Zero Quatro e Dolores destacam o espírito festivo e incansável do compositor. “Ele não se conformava com as coisas paradas. Podia estar na quarta pior cidade do mundo, mas, se precisasse mover uma montanha pra fazer uma festa, ele fazia. Chico não ia se divertir pela metade se podia fazer isso 100% do tempo. Estar com ele sempre era algo rico”, afirma Fred. “Era um entusiasmo absolutamente contagiante. As pessoas tendem a ser muito pessimistas com as coisas, mas ele já chegava dizendo que ia dar certo, convencendo todo mundo a se envolver”, conta o DJ.

E, de fato, convenceu. Em 2009, o manguebeat de Chico, Fred 04, Dü Peixe, Mabuse, Renato L., Lúcio Maia, Dengue e tantas outras pessoas se tornou patrimônio imaterial de Pernambuco. As crianças aprendem sobre a importância do movimento e de Science nas escolas. No Recife e em Olinda, artistas ligados ao manguebeat levam o legado e as ideias de Chico e seus companheiros para as novas gerações por meio de ONGs e trabalhos sociais para crianças e adolescentes. O movimento, assim como a relevância de Chico Science, segue cheio de vida.

Laura Lewer/Revista Cultural

segunda-feira, 11 de março de 2024

A ‘nova cesta básica’ com menos ultraprocessados

 Gazeta da Torre

Modificação visa reduzir risco de doenças, valorizar a agricultura familiar e proteger o meio ambiente.

O presidente Lula assinou na terça-feira, 5, um decreto que institui a nova composição da cesta básica – kit de alimentos essenciais para a alimentação da população. Com mais itens in natura ou minimamente processados, a ideia do governo é tornar a alimentação do brasileiro mais diversificada e saudável.

A principal mudança é a redução na oferta de ultraprocessados. Segundo evidências científicas, o consumo de alimentos industrializados ricos em açúcar, gordura e aditivos aumenta a prevalência de doenças cardiovasculares, diabetes, obesidade, hipertensão e diversos tipos de câncer.

O anúncio ocorreu durante a 1ª reunião plenária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), no Palácio do Planalto.

Com a nova composição, a cesta básica será composta de alimentos de dez grupos diferentes, compondo um padrão alimentar mínimo para todo o país. Ela englobará:

- feijões (leguminosas)

- cereais

 - raízes e tubérculos

-  legumes e verduras

 - frutas

- castanhas e nozes (oleaginosas)

- carnes e ovos

-  leites e queijos

- açúcares e sal

- óleo e gorduras

- café, chá, mate e especiarias.

Alguns itens que anteriormente compunham a cesta básica foram excluídos, como biscoitos recheados, macarrões instantâneos, misturas para bolo e molhos, entre outros ultraprocessados.

Na prática, o texto vai servir para guiar e orientar o governo federal na formulação de políticas públicas relacionados à produção, ao abastecimento e ao consumo de alimentos. 

“O movimento do governo de excluir os alimentos ultraprocessados da cesta básica está de acordo com as nova diretrizes da reforma tributária, que estabelece princípios relacionados à preservação do meio ambiente, da saúde e da sustentabilidade social. O Governo Federal não pretende seguir desonerando ou concedendo benefícios a produtos e serviços que não estejam alinhados a esses preceitos atuais”, diz Maira Cristina Santos Madeira, advogada tributarista e sócia do escritório Abe Advogados.

O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome afirma ter utilizado critérios de acordo com a sustentabilidade, sazonalidade e  benefícios à saúde para compor a cesta. Dessa forma, serão priorizados, sempre que possível, alimentos agroecológicos, locais e oriundos da agricultura familiar.

Também foram observadas  diretrizes importantes como a Política Nacional de Alimentação e Nutrição e o Guia Alimentar para a População Brasileira, que completa dez anos em 2024.

Por que menos ultraprocessados?

O alerta sobre os alimentos que podem ser prejudiciais à saúde ganhou força no Brasil em outubro de 2022, quando entrou em vigor a mudança na rotulagem de produtos embalados por determinação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) após discussões que duraram uma década.

Com a nova regra, os itens passaram a ter, em destaque, informações sobre o excesso de três nutrientes: açúcar, gordura e sódio.

Além disso, de acordo com um novo estudo publicado em fevereiro, no jornal BMJ Global Health, o consumo frequente de alimentos ultraprocessados está associados ​a problemas de saúde, como doenças cardíacas e pulmonares graves, tumores malignos, perturbações de saúde mental e morte precoce.

A pesquisa também levanta a questão do que deve ser feito para controlar e reduzir a produção e consumo dos ultraprocessados. Segundo os cientistas, só a reformulação destes produtos não elimina os danos e a rentabilidade desencoraja os fabricantes a mudarem a produção para alimentos nutritivos.

Por isso, ações de controle e políticas públicas – como a decretada pelo governo – são essenciais. Por exemplo: a restrição de publicidade, a proibição da venda desses produtos em frente ou perto de escolas e hospitais e medidas fiscais que tornem os alimentos não processados ​​tão acessíveis, disponíveis e baratos quanto os ultraprocessados. 

Fonte: Veja

- divulgação -